sexta-feira

O homem que matara o presidente

Decidi divergir para ganhar tempo. Guadalupe. Nunca percebera bem o que uma ilha das caraíbas fazia pendurada numa tabuleta de estrada alentejana, pensara, enquanto a traseira crepitava nos torrões da berma. Quilómetros de isolamento depois, passei Guadalupe; atrás duma velha colcha, estendida à laia de toldo vertical, duas velhotas costuravam à sombra, na beira da estrada. Enquanto elaborava no raciocínio que as levaria a praticar este tricotar ao ar livre junto à estrada - provavelmente para terem companhia das caras diferentes e espaçadas que passavam em carros apressados - saí das ruínas das suas vidas e entrei de novo na minha solidão da planície. Deixara os lagos há largos minutos, na estrada principal, e a pouca água fazia-se sentir na erva rasteira dum verde pálido que cobria todos os cantos e entrava no chão das muitas ruínas. Estas, aqui e ali, entre eucaliptos e clareiras, como lápides, abriam alas à minha passagem.
Deixei o cemitério à entrada de Valverde, desci a rua principal e, depois de três esquinas bem contornadas, escondi o carro atrás dos barracões das alfaias e dirigi-me ao café. Mesmo que me apanhassem ali, estariam a jogar fora de casa, pensei, enquanto ouvia já em fundo as provocações e os "patardos" do jogo de matrecos.
"Boa tarde", disse eu, quando pedi uma canha e uma bifana. Sentei-me longe da porta, na sombra duma talha, e revi o meu plano. Não tinha outra saída; só me safava com a tia da Margarida.
Saíra deixando na mesa três copos sujos de espuma seca. Já a dois passos da porta ouvira ainda a frase de abertura, gritada pelo televisor made in china: "Continua a busca ao homem que matou o presidente...".

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