terça-feira

Las Huertas


O Sol já se ia cobrindo com o lento bando de pássaros que chegava para dormir nas dispersas árvores do jardim botânico. Eu, preocupado, há muito que havia feito ninho na sombra dum arbusto; aguardava pacientemente o fecho das portas de grades de ferro e as badaladas que o anunciavam. De repente, o teu andar sensual fez-se sentir no ar quente que agitava levemente as folhas que me protegiam, do Sol e...de ti. Vã protecção aquela que, tal como a minha força de vontade, historicamente mais nos unira do que separara.
As badaladas do sino do jardim empurraram-te os metros finais e tu, rodeando o arbusto, baixaste-te suavemente e colocaste o teu dedo gelado nos meus lábios fechados, mantendo o silêncio. Passaste-me a pequena caixa de madeira, forrada a pano verde escuro e deixaste-me o teu olhar, enquanto te afastaste na mesma cadência, suave e flutuante.
Esperei quase uma hora pela noite mais escura que me escondeu dos olhos mais atentos quando saltei o gradeamento, colado a um cipreste. Cibelles, Las Huertas, número 47. O último andar tinha águas furtadas. Da caixa, junto ao papel rabiscado com a morada, retirei a chave. A porta abriu-se com as dobradiças a pedirem óleo, num rangido triste e só. O pó sentia-se no ar, flutuando no calor da noite. A sala tinha uma mesa antiga, ao centro. Sobre ela, um papel. Debrucei-me para ler:

Sem comentários: