sábado

O plano


As paredes brancas tinham o picotado em relevo das casas de praia, desagradável ao toque. Reconhecendo as semelhanças, pareceu-me estar a deitar-me na larga cama de casal dos meus pais, em mogno maciço anos sessenta, na casa de praia minha infância. De olhos nas vigas de madeira do tecto, tentei perceber porque é que aquele tipo de revestimento nas paredes sempre me causara uma sensação mista de conforto e de irrequietismo, como se estivesse em trânsito, como se me garantissem, mal chegava, que as férias , mais dia menos dia, iriam acabar e teria de voltar para a merda do colégio. E a boa sensação que tinha quando, em todos esses inícios de férias, em reacção a esse pensamento anualmente recorrente, retorquia infantilmente:"Quero é que se lixe! Ainda faltam 3 meses!!". A inquietude também deveria ter origem na agitação normal das férias, em que o descanso merecido não era seguido, sempre entrecortado pelas idas à praia, pelas longas horas investidas na rua, depois do jantar, em intermináveis jogos de escondidas, pelas expedições organizadas ao pinhal em grupos expedicionários em calções de praia, pernas zurzidas pelas silvas,ramos em vez de espadas e t-shirts com o nosso nome no peito, qual padrão d'armas distinguindo os cavaleiros.
Depois de ter decifrado este dilema da minha infância, e ainda de olhos nas vigas do tecto, agora quase na escuridão, pensei nos próximos passos a dar e na melhor forma de chegar à Cornualha sem ser detectado. A fronteira inglesa tinha um controlo efectivo, e eram famosas as histórias de chineses sufocados dentro de camiões TIR selados.

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